FIQUE POR DENTRO
Parafusos criam diferencial em instrumento musical
Piano recebe aplicação de fixadores entre as cordas e traz sons irreverentes e inusitados durante concerto
A inclusão cuidadosa e calculada de elementos de fixação entre as cordas de um piano de cauda, apesar de inusitada, o transforma em uma especial orquestra de percussão.
O que a princípio poderia parecer grosseiro, revela no decorrer da audição um mundo de sons graciosos, sensíveis e incomuns. É nesse ambiente de sonoridade rara que as pianistas brasileiras Lilian Nakahodo, Grace Torres e a diretora musical Vera Di Domenico apresentam seu trabalho em cima do chamado “piano preparado”.
Este piano foi concebido por Jonh Cage, renomado compositor da vanguarda musical do século XX, conhecido por produzir obras a partir de simples deslocamentos de funções de objetos. O artista chegou a criar uma bula para 20 peças musicais com todas as instruções de materiais a serem inseridos entre as cordas, o que inclui a aplicação, principalmente, de parafusos de vários tipos e tamanhos, porcas, pedaços de borracha e plástico.
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Grace Torres e Lilian Nakahodo |
Na receita do compositor os parafusos são diferenciados por três categorias: “screw”, o nosso parafuso comum; “furniture bolt” (para móveis), sem ponta, mas com uma parte cega (lisa) antes da cabeça; e o “bolt”, sem ponta, utilizado normalmente com porcas ou borboletas. Os materiais usados na preparação resultam em 45 teclas de 88 que o piano possui, sendo 48 o número total de parafusos utilizados.
Segundo a pianista Grace Torres, Cage não fez nenhuma referência aos tamanhos ou espessuras para permitir, assim, uma grande liberdade para experimentações e adaptações por parte dos intérpretes.
“As primeiras preparações de piano que fizemos foram com parafusos comuns, de aço. Depois testamos também alguns niquelados/cromados até chegarmos aos de latão, que parecem ser um pouco mais “moles” e gentis com as cordas. Porém, foi um pouco mais difícil conseguir uma variedade de tamanhos (espessura e comprimento) neste tipo de material”, conta.
As pianistas chegaram a gravar um CD ao vivo chamado “Preparado em Curitiba: John Cage - Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado”, tornando-se as primeiras brasileiras a realizarem este trabalho.
Vera Di Domenico, que também atua como professora na área, explica que foi fundamental realizar esse projeto através de uma Lei de Incentivo, que viabilizou um piano de cauda para desenvolver especialmente os estudos do compositor.
“Tínhamos uma enorme vontade de apresentar parafusos e porcas recriando um instrumento, no caso o piano preparado. É realmente uma experiência maravilhosa e única, pois nem todos têm conhecimento sobre o assunto. Especialmente este ano, em que o centenário de nascimento de John Cage está sendo comemorado no mundo todo”, finaliza.
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