A crise financeira e a miopia em marketing
Miopia em marketing é o título de um famoso artigo publicado no início dos anos 60 por Theodore Levitt (um dos nomes mais bem conceituados no marketing). Desde então, suas teorias são citadas largamente e permanecem vivas como nunca. Levitt denunciou um erro recorrente na administração moderna: a perda do foco no negócio com olhos apenas para o produto. Em meu primeiro artigo, publicado por esta revista, sob o título “ABC do Marketing”, dei ênfase à definição clássica sobre a matéria. Vamos relembrar? “Marketing é a arte de satisfazer os desejos e as necessidades do consumidor, numa relação de troca com vantagem mútua, num ambiente onde haja demanda”
Esta breve introdução se justifica para entendermos uma das mais importantes e fundamentais razões, que explicam o intrincado processo de crise financeira e industrial, pela qual passamos nos dias de hoje. Economistas do mundo inteiro concordam que a crise imobiliária nos Estados Unidos foi o que desencadeou a atual crise mundial. A crise teve origem no excesso de crédito disponível. Como podemos entender isto sob a ótica de marketing? O excesso de crédito disponível está para um banco, assim como o excesso de estoque está para uma indústria ou comércio. A estratégia mais comum para dar vazão aos estoques é a promoção e a redução de preços. Embora sejam estratégias consagradas, existem momentos em que isto é o mesmo que dizer ao consumidor: “Compre porque é barato. Compre mesmo que não satisfaça seus desejos.
Compre sem ter necessidade. Compre mesmo sabendo que não terá vantagem alguma”. O mercado imobiliário americano foi, por vários anos, dominado por estratégias agressivas de vendas; muitas delas podem ser consideradas até um “goela abaixo”. Não podemos esquecer, entretanto, que consumidores se arrependem com facilidade. No Brasil, o direito ao arrependimento é previsto no código de defesa do consumidor. Você não se arrependeria após comprar uma casa com financiamento de 20 anos, sabendo que dois anos depois existiriam casas melhores no mesmo bairro por um terço do preço? E se lhe fosse oferecida aquela nova casa sob o argumento de que você não precisa mais pagar aquele financiamento, por se tratar de contrato hipotecário onde a falta de pagamento resulta apenas na devolução do bem sem nenhuma outra penalidade? Nestas circunstâncias, além de uma casa nova, o consumidor é presenteado com a saborosa sensação de levar vantagem. Uma vantagem com sabor de vingança contra as instituições financeiras que, ao longo de décadas, não atentaram para a relação de troca com vantagem mútua.
Hans Müller é sócio-diretor da White Oak Marketing
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